Seguindo sugestão de minha guru Mariana Filgueiras, vou tentar fazer um curto relato sobre a conversa que rolou lá no Colégio Estadual Hispano-Brasileiro João Cabral de Melo Neto, no Méier, hoje.
1/ A primeira impressão ao entrar numa escola ocupada [essa é a minha segunda escola visitada] é: os meninos e as meninas estão experimentando uma liberdade bem maior do que eles estavam acostumados. Eles claramente estão testando os limites disso. As atividades seguem regras menos ortodoxas que estamos acostumados pelos padrões estabelecidos. Os horários, por exemplo, são mais flexíveis. Eles estão criando a própria organização - e aprendendo que é necessário isso. Uma organização mais lúdica. Mas ainda assim, uma organização.
2/ Exemplo disso foi a discussão sobre como, numa assembleia, fazer com que todas as vozes fossem ouvidas sem que ninguém fosse deixado de lado. E também como abrir mão do que você tem plena e concreta convicção de que é o certo para que haja diálogo com o seu amigo ali do lado. Ou seja, aprendendo o jogo democrático, da maneira mais dura e duradoura.
3/ Eles estão sendo pressionados para desocupar a escola. Por professores que dizem que eles só são bons para fazer bagunça, mas nunca para tirar boas notas em suas provas. Pelo Estado que cortou o vale-transporte. Pela própria consciência que olha para o futuro em curto prazo e mostram que eles terão Enem no fim do ano.
4/ Uma discussão que parece urgente é uma tentativa de flexibilização curricular. As questões são antigas: por que tenho que estudar isso se vou fazer aquilo? Às vezes, porém, há um insight menos óbvio. Uma menina disse que uma amiga não quer fazer vestibular e é pressionada pelos professores a tentar ir para uma faculdade. Será que é necessário ter uma graduação para "ser alguém"?, eles se perguntaram.
4.1 / Houve questionamento sobre o Enem, citando casos diferentes para se ingressar numa universidade de lugares como EUA e Argentina.
5/ Eles estão totalmente divididos entre o que querem fazer de coração e o que devem fazer por obrigação. Devemos nos adaptar ao que há ou tentar criar novos caminhos? Tentei dizer que temos que ter um pé no pragmatismo e outro na utopia. E todas as vezes que eles duvidassem da própria potência, bastaria lembrar que eles estavam ocupando a própria escola para repensá-la, e que isso não é pouca coisa.
6/ Talvez o maior choque de geração que eu sofri foi a maneira muito mais "natural" [no sentido de ser imperceptível a diferença] em que os meninos e as meninas homoafetivos são tratados pelos heteroafetivos. Na minha época - e isso tem menos de 20 anos - gays e lésbicas ou se escondiam ou eram tratados pelos demais como excêntricos. Agora, e vi isso acontecer algumas vezes nessas apenas duas visitas, todos são iguais, muito iguais. Isso dá um pouco de esperança.
7/ Vocês sabiam dessa escola estadual bilíngue? Os meninos têm aulas de espanhol em todas as matérias - não em 100% do tempo - e até estudam geografia e história da Espanha, além da literatura em espanhol. Há mais duas escolas públicas bilíngues, uma em Niterói [CIEP Governador Leonel de Moura Brizola, em Niterói, português - francês] e outra em Nova Iguaçu [CIEP Carlos Drummond de Andrade, português - inglês]. Achei isso excelente.
8/ Claro que eles reclamaram da falta de material didático - das 19 matérias, eles teriam recebido apenas livros de três. Além disso, estavam sem acesso a internet. Mas a biblioteca estava organizada, com projetor, telão, televisão, um vídeo game, jogos de tabuleiro e, claro, livros.
9/ O agendamento da conversa rolou após o cadastramento no índice geral deles. Houve uma pequena demora, há uma dificuldade de unir tantos pedidos e tantas escolas que, muitas vezes estão sem internet, mas com um pouco de boa-vontade, é possível, sim, ajudar a mudar o horizonte.
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